O que diz a ciência sobre as peles de tons escuro e suas características particulares?
Pele negra envelhece mais devagar? Pele escura também pode desenvolver câncer de pele? Pessoas de pele escura têm cheiro diferente das pessoas de pele clara?
Mesmo num país onde mais da metade da população se identifica como preto ou pardo, como o Brasil, essas dúvidas ainda são comuns.
O fato não surpreende, haja vista que diversos fatores se sobrepõem fazendo com que haja manutenção do cenário de desinformação. Alguns dos fatores que contribuem para essa questão são: 1) o avanço desenfreado das indústrias de cosméticos e de estética – pouco compromissadas com a educação do consumidor, visando maior número de vendas e 2) a falta de representatividade de pessoas negras e pardas em materiais de referência nos cursos de medicina, que melhore a qualidade médica no cuidado de pacientes com pele negra.
O impacto da falta de informação sobre as características peculiares e aspectos diferenciais das peles de tom escuro resulta não apenas na manutenção de percepções errôneas e até preconceituosas sobre o assunto, mas também se traduz em atrasos diagnósticos, erros de terapêutica e agravos evitáveis em saúde que ocorrem com maior frequência em pacientes pretos e pardos do que acontecem em pacientes de pele branca.
Por isso, a equipe do Negro Atlas responde abaixo algumas das dúvidas mais frequentes sobre o tema “pele escura”, com base nas pesquisas mais realizadas na internet:
1 – Entendendo os tons de pele preta e parda:
A nível civil, os cidadãos são considerados pretos ou pardos de acordo com a etnia registrada em cartório ao nascer ou de acordo com a sua autodeclaração realizada quando da emissão de seus documentos pessoais.
Em termos médicos, são considerados Negros ou pardos os pacientes enquadrados nas categorias VI a VI da escala de Fitzpatrick, conforme esquema abaixo.

Contudo, a leitura social dos indivíduos como sendo “pretos” ou “brancos” perpassa também outros aspectos fenotípicos além do tom de pele e está constantemente submetida a influências históricas, geográficas e culturais, devendo, portanto, ser tratada com o máximo cuidado a fim de evitar constrangimentos ou ofensas à dignidade da pessoa humana.
- Pele negra também pode ter câncer de pele?
Sim! Embora a melanina forneça certa proteção contra radiações solares nocivas e pacientes negros representem apenas 1-2% dos casos de câncer de pele, este mesmo grupo tem menor sobrevida após o diagnóstico e também costuma ser diagnosticado de forma mais tardia.
Possivelmente isso se deve tanto a fatores sociais – como a maior dificuldade de acesso de pessoas pretas e pardas a consultas com especialista – quanto pelo desafio diagnóstico que essa população representa, pois formas mais agressivas de câncer de pele, como o melanoma, se apresentam com frequência em zonas do corpo que recebem menos atenção e que podem ser naturalmente mais escuras nestes pacientes, como canto das unhas, solas dos pés e zonas acometidas por hiperpigmentação pós-inflamatória.
Dessa forma, pessoas pretas e pardas necessitam, tanto quanto indivíduos de pele clara, realizar acompanhamento em saúde dermatológica de maneira regular e fazer uso diário de fotoproteção solar.
Recomenda-se protetor solar com FPS mínimo de 15 para pacientes fototipo Fitzpatrick VI, FPS 15-30 para Fitzpatrick V e FPS 30 ou maior para tons de Fitzpatrick IV.
- Pessoas de pele escura envelhecem mais devagar?
Não exatamente! Embora o senso comum acredite que peles de tons escuros envelhecem mais devagar, a aparência “jovial” prolongada que se vê em pessoas pretas e pardas se deve a particularidades destes tons de pele que se encontram a nível celular.
Na sua derme, pessoas pretas apresentam feixes de fibras colágenas menores, com fibroblastos mais ativos, mais numerosos e que possuem um número maior de núcleos, em média. Além disso, esses pacientes produzem menos colagenase endógena.
Essas características únicas da pele negra explicam o aspecto prolongadamente firme da pele escura e também a maior frequência de queloides nestes pacientes, por deposição excessiva de tecido fibroelástico em leito cicatricial.

Créditos: nappy.co
- Pessoas de pele preta têm um cheiro diferente das pessoas de pele clara?
Ainda é propagado pelo pensamento etnocêntrico racista a informação falsa de que pessoas de pele escura têm um odor corporal mais forte ou mais desagradável do que aquele apresentado pelas pessoas de pele clara.
Diversos estudos foram conduzidos para tentar compreender a origem desta afirmação e se há, nela, algum respaldo científico.
Até os dias atuais, não existe consenso médico sobre o tema. Há evidências que indicam que peles de tons escuros possuem maior concentração de glândulas sudoríparas e maior atividade das glândulas sebáceas, o que dialoga com algumas peculiaridades observadas em indivíduos pretos e pardos, como maior incidência de dermatoses como acne e outras foliculites.
Por outro lado, estes resultados não são suficientes para responder a pergunta, pois o fator mais preponderante a influenciar o odor corporal é o perfil e a densidade populacional dos diversos organismos que compõem a microflora presente na superfície da pele de cada indivíduo e maior eficiência observada nestes indivíduos no mecanismo regulação de temperatura através do suor.
Não obstante, nenhum dos estudos conduzidos até a presente data provou diferença estatisticamente significativa nas populações de microrganismos responsáveis pelo odor corporal característico quando comparadas as peles de tons claros e as peles de tons escuros.
Além disso, outras variáveis potencialmente decisivas para o desfecho “odor corporal” – tais como alimentação dos pacientes, clima, temperatura e umidade dos ambientes frequentados pelos sujeitos de pesquisa – ainda não foram adequadamente isoladas e avaliadas nos estudos conduzidos até hoje.
Por fim, há pesquisas realizadas no campo do biossocial que apontam para a possível existência de um viés cognitivo incutido no imaginário popular que pode ajudar a sustentar esta crença de natureza pejorativa.
Segundo os sociólogos sicrano e beltrano, pretos e pardos foram forçados a atuar em trabalhos de natureza braçal e expostos ao calor e luz do sol sem que a essa população fossem fornecidas condições dignas de higiene. Para os autores, como consequência do longo processo de escravidão que houve no país entre os anos de 1500 e 1888 a associação racista entre pessoas pretas e pardas e mau cheiro/maus hábito de higiene perdura no imaginário popular dos cidadãos menos esclarecidos até os dias de hoje.
Na avaliação de Sicrano e Beltrano, pessoas de pele escura não têm odor corporal mais desagradável ou com maior frequência do que pessoas de pele clara. Mas devido ao viés cognitivo de raiz histórica presente no imaginário popular podem estar, sim, submetidos a análise mais frequente e mais exigente dos seus hábitos de higiene do que as pessoas de pele clara.
- Existem doenças que ocorrem com maior frequência ou mais gravidade nas pessoas de pele escura?
Os diferentes tons de pele estão suscetíveis a diferentes riscos e fatores epidemiológicos e não é diferente para as pessoas de pele escura.
Além das foliculites e queloides serem mais frequentes nesta população, como citado nos itens anteriores, as peles escuras podem descamar espontaneamente até 2,5x mais rápido do que as peles claras.
Desta forma, doenças de natureza descamativa, como a psoríase e também determinados tipos de ceratose, como calosidades e outras lesões queratinizadas, podem se apresentar com perfil mais exuberante em pacientes pretos e pardos, aparentando maior “gravidade”. Além disso, há evidências de que infecções por fungos dermatófitos podem ser mais persistentes nesta população de pacientes, mas ainda são necessários estudos maiores e mais criteriosos para fortalecer esta hipótese.
Agradecemos sua atenção e esperamos que as informações compartilhadas tenham ampliado seu conhecimento e proporcionado uma compreensão mais profunda sobre a saúde da pele preta e parda. Nos vemos em breve na próxima postagem! Ficaremos felizes em receber suas sugestões de temas através da nossa DM no Instagram (@negroatlas). Até a próxima e negros abraços!
Referências
- Mota M, Cruz, Barraza LL, Milanez. Dermatologia na pele negra. Anais Brasileiros de Dermatologia (Portuguese) [Internet]. 2024 May;99(3):327–41. Available from: https://www.anaisdedermatologia.org.br/pt-dermatologia-na-pele-negra-articulo-S2666275224000079
- Wesley, Naissan O, and Howard I Maibach. “Racial (Ethnic) Differences in Skin Properties.” American Journal of Clinical Dermatology, vol. 4, no. 12, 2003, pp. 843–860, https://doi.org/10.2165/00128071-200304120-00004.
- Skin Cancer Statistics by Ethnicity Infographic | SERO. 27 Sept. 2023, treatcancer.com/blog/skin-cancer-by-skin-tone/.