Ancestralidade e ciência: é possível unir esses dois mundos na saúde da pele? 

A pele escura carrega em si mais do que melanina. Carrega história, memória e resistência. Seus traços, texturas e reações são fruto de uma ancestralidade que atravessa continentes e séculos. Ao pensar no cuidado com a pele preta, é necessário compreender que este não é apenas um ato de saúde ou estética, mas também um gesto de reconexão com a própria identidade, e de negação ativa dos discursos que historicamente associaram essa pele a inferioridade, descuido ou sujeira.

Durante boa parte da história médica ocidental, a dermatologia foi desenvolvida com base em estudos feitos quase exclusivamente sobre peles brancas. Isso resultou em lacunas significativas no diagnóstico, no tratamento e no acolhimento de pacientes pretos e pardos. Tantos empecilhos e iniquidades associados à falta de atenção especializada para esta população são fatores que levam esse grupo de pacientes a recorrer com mais frequência a alternativas terapêuticas tidas como “naturais” ou embasadas em crenças ancestrais.

O fato é que a população brasileira possui fortes relações com sua ancestralidade indígena e africana, com tradições culturais marcadas por uma conexão profunda com elementos de origem natural, desde a alimentação até os cuidados com a saúde. Um estudo conduzido pelo Instituto de Pesquisa Nacional em Saúde (PNS) revelou que 58% dos brasileiros usaram métodos terapêuticos fitoterápicos ou homeopáticos no ano de 2019. Portanto o mais provável é que o seu paciente já tenha um tratamento alternativo em mente ou até mesmo que já esteja fazendo por conta própria e essa realidade não pode ser ignorada durante a consulta médica.

Créditos: nappy.co

Alguns desses métodos “naturais”, entretanto, podem apresentar riscos à saúde da pele, como é o caso do uso de vinagre em verrugas que pode causar queimaduras químicas, aplicação de óleo de oliva para hidratação e óleo de coco em espinhas, os quais aumentam a oleosidade da pele, desequilibram a barreira natural de defesa e por vezes pioram quadros de acne. Por esse e por outros perigos, é de suma importância esclarecer o paciente sobre potenciais riscos e benefícios de tratamentos alternativos.

No que diz respeito a contribuições enriquecedoras da ancestralidade nos cuidados com a pele, destacam-se o uso de certos óleos vegetais, argilas e banhos de ervas. Estudos indicam, por exemplo, que o óleo de karité (Butyrospermum parkii) — amplamente utilizado em comunidades africanas — possui propriedades emolientes, anti-inflamatórias e antioxidantes, com eficácia reconhecida na hidratação e reparo da barreira cutânea¹.

Além disso, da mesma forma, o uso de argilas naturais ricas em minerais, como a bentonita e o caulim, tem respaldo na literatura dermatológica por sua ação adsorvente, purificante e calmante, especialmente em peles acneicas ou com tendência a oleosidade². Banhos de ervas como camomila, alecrim e lavanda, embora menos estudados em ensaios clínicos controlados, são amplamente documentados na etnobotânica e apresentam compostos bioativos com ação calmante, antifúngica e regeneradora³.

É sempre importante destacar que, embora esses métodos tenham origem em saberes ancestrais e apresentem respaldo inicial na literatura científica, seu uso deve ser feito com orientação adequada, especialmente em casos de pele sensibilizada ou doenças dermatológicas. A integração entre práticas tradicionais e ciência moderna pode ser uma alternativa eficiente e respeitosa para o cuidado integral da pele preta, desde que conduzido com criticidade, validação e responsabilidade clínica, sendo ideal a busca por um profissional especializado sempre que desejar iniciar um novo tratamento para a sua pele.

Créditos: Nappy.co

Na encruzilhada entre ciência e ancestralidade, surge um novo paradigma de cuidado, no qual saúde e identidade caminham lado a lado e precisam ser conciliados no campo da relação médico-paciente dentro do consultório.

  1. Hidratante multifuncional para as mãos com manteiga de karité (LOU et al., 2000; AKPAN & KANYI, 2020).
  2. CARACTERIZAÇÃO DAS MATERIAS PRIMAS USADAS NA COSMETOLOGIA PARA ARGILA FACIAL (GUPTA et al., 2014).
  3. Parâmetros de qualidade físico-químicos e avaliação da atividade antioxidante de folhas de Plectranthus barbatus Andr. (Lamiaceae) submetidas a diferentes processos de secagem. (SILVA et al., 2016).

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